quinta-feira, 2 de junho de 2011

Bem-aventurados: os alegres de Deus

 
2 E Jesus, abrindo a boca, os ensinava, dizendo:
3 “Bem-aventurados os pobres em espírito, pois deles é o Reino dos Céus.
(...)
12 Exultai e alegrai-vos sobremaneira, pois é esplêndida a vossa recompensa nos céus; porque assim perseguiram os profetas que viveram antes de vós.

 Mateus 5, King James


“Bem-aventurados” é, no original grego: makarios. Na NTLH: “Felizes”. A NVI, em nota: “Como são felizes[1]”. A KJ de 1611 traz a expressão inglesa blessed (abençoado, bendito, muito feliz[2]).
Comentaristas os mais diversos, referem-se às bem-aventuranças como uma espécie de “receita de Jesus para a felicidade humana”. Identificam virtudes e perfis psicológicos dos pretensos felizes[3].
Outros, ao contrário, do ponto de vista da saúde mental, apontam para elas como prova do desequilíbrio de Cristo e da fé que o segue. Nietzsche, por exemplo, batizou-na de moralidade dos fracos[4]. Feliz é o que chora? Os pobres? Os pobres de espírito? Os perseguidos? Os insatisfeitos? Esses são os felizes? – questionam.
John Stott responde: talvez[5]. Ele considera a possibilidade de que as bem-aventuranças esboce uma espécie de teoria da felicidade de Jesus[6]. Contudo, trás a questão para uma importância interpretativa primária. Ele diz: “Ele não está decla­rando como se sentirão (‘felizes’), mas sim o que Deus pensa delas e o que são por causa disso: são ‘bem-aventuradas’”. “Deus não vê como o homem vê” - diz o profeta Samuel.
          A dor, dói. A perseguição, a injúria, a pobreza, a injustiça, não são, por si mesmas, boas. O cristão é realista. Mas lemos no versículo 12: “Exultai e alegrai-vos”. E o motivo da alegria não é a condição. Dietrich Bonhoeffer diz: “Nem a carência nem a renúncia são, por si só, causa da bem-aventurança. Porém, motivo suficiente é o chamado e a promissão”. Lembrando o Stott: somos bem-aventurados pelo que Deus pensa de nós. 
A alegria de Deus[7] vai em outra direção. E o perfil psicológico que eu sugiro que possa ser traçado das bem-aventuranças é o perfil de um "coração que se satisfaz na alegria de Deus". Os bem-aventurados são os felizes de [para] Deus, os felizes em Deus! Eles são, num certo sentido, felizes infelizes!
A alegria de Deus nem sempre 'alegra'. Poucos são os que encontram na sintonia com o coração de Deus, as razões para Alegria[8]. Vejam o filho mais velho da parábola do filho pródigo[9]. Ele é um tipo do que não faz dos motivos de festa para o pai, os seus próprios motivos.  Alegria desinteressada: um tesouro escondido. Quem o descobrirá? 
Num trecho dos evangelhos Jesus diz: “não se jogam pérolas aos porcos[10]”. Ou seja: valor para quem valora. Em outro trecho, ele fala sobre um descompasso: “Nós tocamos músicas de casamento, mas vocês não dançaram! Cantamos músicas de sepultamento, mas vocês não choraram![11]”. A Alegria de Deus é uma graça que poucos desejam. Com honestidade, lendo as bem-aventuranças, alguém diria: “Oh, felizes que não queremos ser!”.
         Lendo as bem-aventuranças, o caráter de suas promessas, os valores ali significados – e também tentando escutar o espírito geral das recompensas que permeiam o Novo Testamento[12], tenho uma intuição: a recompensa é um coração. Um coração segundo o de Deus, que tem nEle o seu regozijo. Um coração que é para o Evangelho, que é dele um beneficiário. Que melhor o discerne. Que melhor se satisfaz. Um coração que é para as Alegrias do Evangelho como um paladar adestrado em relação a um sabor. C. S. Lewis diz: “É seguro dizer aos puros de coração que eles verão a Deus, pois somente os puros querem vê-lo”.
         O caminho da bem-aventurança é o caminho do que adquiri gosto pela Alegria. E o Lewis lembra-nos: “certos estilos de vida podem tomar o gosto impossível de adquirir”. As recompensas não fariam nenhum destreinado para a Alegria se sentir recompensado. O Evangelho não atrai mercenários, espertões e bons investidores. Mas também não é para os despretensiosos. Há uma pretensão própria para o cristão: a Alegria.
          Bem-aventurados os que Deus assim os considera! Estes são os felizes! A pérola, entre os porcos, é negligenciada. Que são os “porcos”? Não há o que titubear: Jesus está falando de corações humanos e suas reações para com o Evangelho. A economia de Deus não permite desperdícios de Alegria. Descrevendo os bem-aventurados, a parábola é outra: “Outrossim, o reino dos céus é semelhante a um negociante que buscava boas pérolas; e encontrando uma pérola de grande valor, foi, vendeu tudo quanto tinha, e a comprou[13]”.
O caminho da bem-aventurança é um caminho de aprendizagem, de formação. Aonde o gosto pela Alegria vai sendo adquirido. Onde a Graça trabalha em nós no sentido de dilatar nossa capacidade de desfrute. A mesa de Deus nos reserva bons e novos sabores. Aprendamos a orar com o John Donne: que nossa alma “sente-se à mesa de Davi para saborear, e para ver que o Senhor é bom”.
 
Eric Brito

[1] Qualquer professor de grego vai dizer que a palavra “bem-aventurado” é muito menos grave e menos beatífica para transmitir a força percussiva que Jesus pretendia dar. A palavra grega transmite algo assim como um pequeno grito de alegria: “Ah, seu felizardo!”. (Philip Yancey)
[2] Nota da própria King James.
[3] “O homem que reagir ao seu ambiente com esse espí­rito terá uma vida feliz” (Ernest M. Ligon).
[4] Mais especificamente: “moral dos escravos” - a moral dos homens passivos, inferiores, débeis.
[5] É claro que ele certamente não endossa o pejorativo.
[6] Diz ele: “Não é preciso rejeitar esta interpretação como totalmente ilu­sória. Ninguém melhor do que o nosso Criador sabe como pode­mos nos tornar humanos verdadeiros. Ele nos criou. Ele sabe como funcionamos melhor. É através da obediência às suas pró­prias leis morais que nos encontramos e nos realizamos. E todos os cristãos podem testemunhar da experiência de que há uma relação íntima entre a santidade e a felicidade”.
[7] “Alegria de Deus” - não será usada refererindo-se a algreia sentida por Deus, antes, para aquilo que Deus vê como alegria para nós.
[8] “Alegria” - será intercambiável com a expressão “Alegria de Deus”.
[9] Ver Lucas 15:11-32.
[10] Ver Mateus 6.7.
[11] Ver Mateus 11.17.
[12] Ver, por exemplo, Mateus 6:5-6.
[13] Mateus 13:45-46.

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