segunda-feira, 27 de junho de 2011

O meu primeiro amor será o único, Senhor [1]


 


“E, por se multiplicar a iniqüidade, o amor de quase todos esfriará.” (Mateus 24.12)

Se você tem um baú onde guarda suas coisas velhas, sabe: ali há coisas que nada significam para os outros, mas que valem muito para você. Nenhuma experiência confirma isso de modo mais convincente, e dramática!, do que àquela de entrar no seu quarto e vê-lo arrumado. "Onde está tudo?" - nos perguntamos. É quase uma lei: sempre vai algo de valor para o lixo. É que o coração valora de forma diferente. O coração valora sem perguntar o preço. Há significâncias próprias. O coração humano é um cofre. É o baú onde guardamos os significativos da nossa história. É ele que diz o que vale. “Onde está o seu coração aí está o seu tesouro”.

Hoje pela manhã abri o meu baú. Eu precisava saber se ainda encontraria lá antigas valias. Abri minha velha Bíblia - há muito não a utilizava. Está em pedaços. Livros inteiros estão soltos, e está de difícil manejamento. Antes já havia tentado. Mas utilizá-la, só a desgastava mais. Eu sempre recuava. Mas hoje, foi maior a vontade daquela familiaridade das páginas amigas. Foi lá que eu li essas palavras: “o amor de quase todos esfriará”.

Esse foi o susto: o amor esfria, se esvai - ‘emorna’. Todas essas expressões foram utilizadas por Jesus e sempre em contextos apocalípticos – cujos prenúncios eram de que a ordem das coisas nos últimos dias contribuiria para essa extinção do amor. É como se dissesse: amar, naqueles dias, será uma experiência rara.

“O amor esfria” – ele disse, acabando com todas as nossas referências platônicas e idealistas para o amor. “Te amarei para sempre” – dizemos. Mas o amor esfria[2]. Essas palavras que me fizeram buscá-lo no baú do meu coração.

Essa experiência de revisitar as nossas significâncias é a própria realização do convite da Graça. Ela que diz: “lembra-te de onde caístes... arrepende-te... Pratica as primeiras obras”. Ou “És morno”. És morno: ainda conserva algum calor. Há sinais em ti de que houve um fogo ai um dia.

O convite é para que zelemos da chama. Para que aqueçamos o coração e o direcionemos aos Tesouros certos. Em fim, para que nos reafirmemos no amor. Para que a cantada passada, não prove o amor de hoje.

O amor é fogo. É assim que o Espírito, quem é quem infunde o amor de Deus em nós, desce aos homens em forma de fogo. Há uma temperatura própria pra quem diz amar. E há modos de medi-la. Um deles é revisando o que estamos entesourando no nosso coração. É só ir lá e ver o que temos guardado. E ver o que ainda tem por lá. E o que já se fez ausente.

Com o tempo, nós crescemos e assumimos responsabilidades. Aprendemos a nós mesmos arrumar o próprio quarto e fazer nossa própria faxina – essa é a responsabilidade de todos os cristãos. Pois faxina é uma coisa íntima. Ninguém faz certo senão nós mesmos. Faxina é tirar o que se deve. E deixar o que se deve deixar. Sempre que revisito meu baú, encho uma sacolinha de coisas que perderam a relevância e que para mais nada servem. Serão jogadas fora. É uma reciclagem normal. Coisas saem e coisas entram. O que vale, contudo, fica. O coração está em movimento. O que ora valoriza, ora desvaloriza. E vice-versa. Mas o que ainda vale, fica.

O amor de muitos esfriará, não nos enganemos. Para o que ama de verdade, o primeiro amor não é uma experiência de início: é algo que se é exigido por todo o percurso. Muito propriamente: o primeiro amor, deve ser o único amor. O morno não serve. O que esfria, já não ama. 

Repense seus amores!
Eric,
Manhã de 27 de março de 2010


[1] Verso de uma música de Matheus Patrick.
[2] Icabode (foi-se a glória): será uma sombra crescente. Oxalá percebessem!

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